sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Crise no ninho de ratos!


Matéria publicada em 12-8-11 na aba Constituinte Já do blog do Chico Barreira

A rebelião dos ratos

Só para recordar, vamos reproduzir os três primeiros parágrafos de matéria da Veja, de junho de 1997:

“Quatro meses depois de fazer bonito na reeleição, em que entregou dezenove votos para ajudar o governo a aprovar a emenda que permitirá a Fernando Henrique Cardoso disputar um segundo mandato em 1998, o governador Amazonino Mendes, do Amazonas, transformou-se numa pororoca de escândalos.

Há duas semanas, ele apareceu como homem da mala no balcão da reeleição, apontado por dois ex-deputados que venderam seus votos por 200.000 reais. Na semana passada, o governador foi acusado de outro crime — ser o verdadeiro dono de uma das empreiteiras mais ativas do Amazonas, a Econcel, que, fundada há cinco anos, faturou mais de 50 milhões de reais em duas dezenas de obras públicas no Estado.

Caso a denúncia seja comprovada, Amazonino Mendes terá assegurado um lugar inovador na história da corrupção brasileira. Não é o clássico caso do político que promove concorrências fraudadas para beneficiar empreiteiros, recebendo uma comissão em troca. O governador faz obras públicas em benefício próprio, sem intermediários”.

A Ratoeira Mor

Nos anos 80 do século passado, o ex-presidente Lula desistiu de reeleger-se para a Câmara dos Deputados, dizendo que o Congresso era dominado por 400 picaretas. O “Mensalão do PT” revelado em junho 2005 pelo corrupto confesso Roberto Jefferson e até hoje presidente PTB, era mera cópia, utilizando-se inclusive do mesmo agente intermediário (Marcos Valério, um bandido que deu origem à palavra valerioduto) do “Mensalão Tucano” ocorrido em 1998, na eleição do governador mineiro Eduardo Azeredo (PSDB).

Em 2002, o então governador de Rondônia, Ivo Cassol (PSDB), que sofria um processo de impeachment, acusado de corrupção, filmou deputados da Oposição, no momento em que pediam 50 mil reais para não votar contra ele.

O “Mensalão do DEM” que culminou com a destituição e prisão do governador José Roberto Arruda, do Distrito Federal, que já estava escalado para ser o vice de José Serra, ainda está vivo na memória de todos.

Nos últimos dois anos, em dezenas de municípios brasileiros, prefeitos e vereadores foram destituídos e presos pelo fato simples de serem ladrões do Erário Público. Na verdade, eles representam e sintetizam a regra (e não a exceção que eventualmente torna-se pública) do comportamento padrão da classe política brasileira, na capilaridade dos quase seis mil municípios.

É essa massa que vai ascendendo, que vai sendo condensada, aprimorada, até transformar-se na nata que controla o Congresso Nacional, nossa Ratoeira Mor.

Tudo isso para dizer que só um imbecil não sabe que o Congresso Nacional é controlado por esses ratos e que ninguém consegue governar este País se, literalmente, não comprá-los. E é certo que eles não querem apenas cargos no governo. Querem usar esses cargos para roubar.

Atualmente eles estão rebelados e têm como principal intermediário (intérprete) junto ao governo, o impoluto e insuperável vice-presidente Michel Temer, para quem não há crise e “tudo isso é muito natural”. E são tão descarados esses ratos que fazem duas reivindicações paralelas e concomitantes: mais cargos e silêncio ou tolerância sobre as roubalheiras. É isto que está implícito na chantagem que movem atualmente contra o governo, ameaçando não votar matérias de interesse do Planalto ou do simples interesse público.

Movida pelas circunstâncias, mordida pela consciência ou motivada pela tentação da popularidade (só Deus saberá dizer), a presidenta Dilma resolveu ser ou parecer que é a mulher que poderá dar um basta nisso tudo. Por isso, a Oposição e a mídia, aturdidas, não sabem para onde apontar suas baterias.

Mas é claro como água da fonte que Dilma não vai dar um basta em coisa nenhuma. Tudo o que ela vai arrumar se realmente endurecer o jogo é uma baita crise institucional. Será declarada a ingovernabilidade.

Ao PT se ainda lhe restar um mínimo do pudor e do ideal que lhe deram origem, caberia mobilizar a militância, sindicatos e outras organizações sociais, para exigir a convocação de uma Constituinte, montada nas costas da popularidade ainda pulsante de Lula. A Constituinte poderia limpar ainda que parcialmente a Ratoeira Mor. Pelo menos seria um pouco mais eficiente que a piegas campanha da Ficha Limpa.

De quebra, poderiam ser conquistados importantes avanços sociais. Mas, cá entre nós, não vejo disposição de ânimo para que os petistas façam isso. Eles já amoldaram seus traseiros às poltronas fofas do poder.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Maria Antonieta

Vi este texto inicialmente no Esquerdopata e resolvi publicá-lo também no meu blog para conferirmos no futuro.

VLADIMIR SAFATLE


Maria Antonieta

Em 2006, a cineasta Sofia Coppola lançou um filme sobre Maria Antonieta. Ao contar a história da rainha juvenil que vivia de festa em festa enquanto o mundo desabava em silêncio, Coppola acabou por falar de sua própria geração.
Esta mesma que cresceu nos anos 1990.
No filme, há uma cena premonitória sobre nosso destino. Após acompanharmos a jovem Maria por festas que duravam até a manhã com trilhas de Siouxsie and the Ban- shees, depois de vermos sua felicidade pela descoberta do "glamour" do consumo conspícuo, algo estranho ocorre.
Maria Antonieta está agora em um balcão diante de uma massa que nunca aparece, da qual apenas ouvimos os gritos confusos. Uma massa sem representação, mas que agora clama por sua cabeça.
Maria Antonieta está diante do que não deveria ter lugar no filme, ou seja, da Revolução Francesa. Essa massa sem rosto e lugar é normalmente quem faz a história. Ela não estava nas raves, não entrou em nenhuma concept store para procurar o tênis mais stylish.
Porém ela tem a força de, com seus gritos surdos, fazer todo esse mundo desabar.
Talvez valha a pena lembrar disso agora porque quem cresceu nos anos 1990 foi doutrinado para repetir compulsivamente que tal massa não existia mais, que seus gritos nunca seriam mais ouvidos, que estávamos seguros entre uma rave, uma escapada em uma concept store e um emprego de "criativo" na publicidade.
Para quem cresceu com tal ideia na cabeça, é difícil entender o que 400 mil pessoas fazem nas ruas de Santiago, o que 300 mil pessoas gritam atualmente em Tel Aviv.
Por trás de palavras de ordem como "educação pública de qualidade e gratuita", "nós queremos justiça social e um Estado-providência", "democracia real" ou o impressionante "aqui é o Egito" ouvido (vejam só) em Israel, eles dizem simplesmente: o mundo que conhecemos acabou.
Enganam-se aqueles que veem em tais palavras apenas a nostalgia de um Estado de bem-estar social que morreu exatamente na passagem dos anos 1980 para 1990.
Essas milhares de pessoas dizem algo muito mais irrepresentável, a saber, todas as respostas são de novo possíveis, nada tem a garantia de que ficará de pé, estamos dispostos a experimentar algo que ainda não tem nome.
Nessas horas, vale a lição de Maria Antonieta: aqueles que não percebem o fim de um mundo são destruídos com ele. Há momentos na história em que tudo parece acontecer de maneira muito acelerada.
Já temos sinais demais de que nosso presente caminha nessa direção. Nada pior do que continuar a agir como se nada de decisivo e novo estivesse acontecendo.

VLADIMIR SAFATLE escreve às terças-feiras nesta coluna.